24 de mai. de 2012

A Busca da Alma

A BUSCA DA ALMA

                                                                                                    Ercilia Zilli




Para falarmos sobre a busca da alma, partimos da premissa da sua existência, conforme a entendemos na doutrina espírita, ou seja, na qualidade de espírito, portador de uma consciência, em constante processo da ampliação.

Entendendo que na criação divina, tudo obedece a um propósito, a existência da alma também tem um objetivo, que nos parece ser o da eterna busca da evolução e a conquista do estado de perfeição.

Vamos usar o mito de Eros e Psique para refletirmos como essa busca se realiza. Lembramos aqui, o conceito de Mircea Eliade, que nos diz que o mito sempre conta uma história sagrada, portanto, de compreensão espiritual. O mito representa, ainda, a forma como o homem de todos os tempos tenta entender os fatos e a vida de uma perspectiva espiritual, buscando compreender como e porque ocorrem.

Conta o mito que Eros, ou Cupido, deus do amor, era o mais belo entre os deuses e representava a força fundamental do mundo. Era o intermediário entre os deuses e os mortais, unia o todo a si mesmo e simbolizava a capacidade de cooperar com os mortais dia e noite nas conquistas e no amor. Para a psicanálise, Eros é o conjunto de tendências construtivas.

Psiquê era uma jovem que, apesar de linda, não conseguiu casar-se. Seus pais buscaram o Oráculo, que os orientou a deixa-la no alto de uma montanha, para que se casasse com uma serpente, a qual representa a psique inferior, o psiquismo obscuro, o que é incompreensível e misterioso, a fecundidade da mulher. Significa ainda, a cura, o terapeuta e o espírito, porém no cristianismo, a serpente foi condenada a arrastar-se, tendo sua figura associada ao pecado, em contraposição a todos os conceitos anteriores.

Mesmo com medo, ela adormece e, tomada por Zéfiro, o Vento, é levada para um rico e maravilhoso palácio. Depois de entrar na posse de tudo, vai dormir e durante a noite recebe a visita de um ser masculino que a toma nos braços carinhosamente. Ele volta todas as noites, mas adverte Psiquê de que ela não deveria fazer nenhum esforço para vê-lo. Obediente, sente que gosta dele, mas começa a ficar triste com a solidão de todos os dias e pede a essa criatura que a deixe visitar os pais. Após muita insistência, ele permite.

Quando volta para casa, as irmãs de Psiquê, sabendo de suas riquezas, estranhando o fato dela nunca ter visto seu companheiro e tomadas de grande inveja, sugerem que ele deve ser um monstro e a orientam a procurar um jeito de ver quem ele é.

Ao retornar ao palácio, aproveita enquanto ele dorme e acende uma lamparina. Vê que o seu amado é um lindo jovem. No entanto, deixa cair o óleo quente sobre ele, queimando-o. Transtornado, ele vai embora, deixando Psiquê desesperada.

Afrodite, a deusa da beleza, mãe de Eros, fica raivosa porque seu filho a havia desobedecido para ficar com Psiquê, uma mortal, e esta ainda o havia machucado. Psiquê procura a Beleza para saber como encontrar e ficar com o Amor e Afrodite ordena que ela realize algumas tarefas, caso queira ficar com Eros. Aflita, ela aceita.

Conforme a psicologia junguiana, o cumprimento dessas tarefas, está associado ao processo de individuação feminina, ou o que este representa na visão do homem integral, que associa a anima (feminino) e o animus (masculino).

A primeira ação ordenada por Afrodite, a Beleza, na conquista de Eros, o Amor, é separar, num curto período de tempo, uma grande quantidade de grãos misturados de trigo, aveia, cevada, feijões e lentilhas. Quando Psiquê imagina que não será capaz, surgem formigas que ajudam a cumprir a exigência de Afrodite. Aqui, paramos mais um pouco para entender o que essa ordem representa. Os grãos estão associados, desde todos os tempos, a alternância entre a vida e a morte, da vida subterrânea à luz. Alguns ritos eram utilizados com o objetivo de livrar a alma dessa alternância e fixa-la na luz. Quando vemos que o trigo está associado à ressurreição, entendemos nessa alternância o conceito de reencarnação. 

Poderíamos estudar mais profundamente os símbolos dos outros grãos citados no mito, mas já temos nesta altura do texto, uma visão do que a alma procura na sua trajetória em busca da fixação na luz, no seu estado de perfeição. Temos um apontamento bíblico que nos orienta nessa compreensão:
“Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de
trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só;
Mas se morrer, produzirá muito fruto”. João, 12:23

As formigas representam a atividade laboriosa e a vida organizada em sociedade, que tem a previdência na sua estrutura. Significa também a energia que circula nas entranhas da terra, prestes a manifestar-se como água ou nascente. Segundo o Talmude, as formigas representam a honestidade. Logo, esse processo de alternância significa a jornada da alma buscando a sua elevação e integração com o amor através das reencarnações sucessivas, fazendo parte de uma sociedade organizada e previdente, com a energia da honestidade e a pureza das nascentes, das águas que representam a fluidez das emoções equilibradas. Entendemos também, que a presença das formigas aponta que nunca estamos sozinhos diante das nossas provas, mas sempre amparados.

A primeira tarefa mostra a necessidade de morrer e renascer para, um dia chegar à Luz. Surge o conceito de organização e de uma sociedade solidária.

Psiquê volta à presença de Afrodite, que ainda insatisfeita, exige mais uma tarefa. Quer um pouco de lã dourada proveniente de umas ovelhas muito bravas. Mais uma vez aflita, recebe a orientação de um junco que a orienta a esperar o momento do descanso das ovelhas para não ser atacada. A ovelha, da mesma forma que o carneiro e o cordeiro, tem a sua imagem associada ao instinto, à ação, à força genésica. Ela afugenta feras, protege rebanhos e educa pastores. É a sublimação do instinto, do amor que se oferece à morte para a salvação dos pecadores, conforme vemos na doutrina católica. Como pecado, etimologicamente, significa ignorância, entendemos que pecadores são aqueles que desconhecem a Lei Divina.

O ouro é o símbolo do conhecimento, da imortalidade, da perfeição, da fecundidade, riqueza, dominação, além de ser uma arma de luz. O junco, o que aconselha, é aquele que se verga mas não se quebra, que aprendeu a observar e a esperar o momento oportuno. Aqui, Psiquê aprende a buscar o conhecimento, a noção de imortalidade e o poder da luz, a ter paciência, para que, com seus instintos sublimados, não seja apenas uma fera a ser afugentada, mas entenda que a doação e a busca do conhecimento a fortalecerão na conquista do Amor. E, mais uma vez, a ajuda está ao lado dela. Aprende ainda, que no processo evolutivo, muitas vezes terá que se vergar e que sua força consiste em nunca se quebrar ou deixar-se abater pela magnitude dos obstáculos à sua frente.

Volta a Afrodite, mas ainda não é suficiente e a terceira tarefa consiste em buscar um jarro de água de uma montanha muito alta que é guardada por um dragão. Diante do desespero de Psiquê, surge uma águia que a ajuda, enchendo a jarra com a água pedida.

A águia é um símbolo muito antigo e o coletivo do Pai e de todas as figuras ligadas à paternidade, de força, coragem e clarividência. É a rainha das aves, representando os estados espirituais superiores. É a mensagem do Alto, acima das contingências humanas. Como todo símbolo, tem o seu lado a ser desenvolvido e neste caso, pode representar o desejo de poder inflexível e devorador.

A montanha surge como a busca de elevação espiritual, da pureza, da segurança e da transcendência. É o centro e o eixo do mundo, a terra que se eleva ao céu e a morada de seres celestiais. Lembremo-nos de que Moisés recebeu os Dez Mandamentos numa montanha e, Jesus nos deixou os mais preciosos ensinamentos no Sermão da Montanha. Apesar do dragão, em algumas culturas, ser o símbolo do mal, ele é o guardião dos tesouros ocultos da imortalidade. Representa uma conquista difícil, pois é ambivalente. Se Psiquê não consegue lidar com essa potência celeste, criadora e ordenadora, pode ter uma queda dramática. No entanto, a águia surge para ajuda-la. O jarro, também usado como urna funerária, representa a abundância e guarda a bebida da imortalidade. É a fonte da vida física e intelectual e a volta às origens. A Alma aprende, na terceira etapa a fazer escolhas cada vez mais complexas sobre o que significa o verdadeiro encontro com o Amor. Deve elevar-se espiritualmente e alcançar o estado de pureza, entendendo a magnificência do Pai Criador e Ordenador. Sua relação com o Pai surge de maneira mais consistente e começa a ter mais consciência de Sua atenção constante.

Mas, ainda assim, a Beleza não se contenta e ordena mais uma tarefa. Quer que Psiquê, a Alma, desça ao mundo inferior, o Hades, e peça para Perséfone um pouco da sua própria beleza, guardando-a numa caixa que não deveria ser aberta.

Psiquê considera essa tarefa muito difícil e quer jogar-se de uma torre para chegar ao Hades, mas uma torre a ensina como agir para evitar os perigos da jornada. O Hades, também conhecido como inferno ou Plutão, é um reino invisível e muito temido, dono das infinitas riquezas da terra, da produção vegetal e mineral. É o rei do submundo, cruel e implacável. A caixa é o símbolo do inconsciente e do corpo materno, separa do mundo o que é precioso, mas implica sempre em risco. A torre é um símbolo ascensional, a porta do céu e seu objetivo é restabelecer o eixo primordial rompido e por ele, elevar-se a Deus. Uma parte é subterrânea, outra é na superfície e, outra ainda, é no céu. Na parte superior ficava um templo que representava a morada dos deuses. Além de representar as etapas do crescimento espiritual, a torre aponta o passado, o presente e o futuro da evolução. Psiquê não resiste e abre a caixa, caindo em sono profundo. Para completar, exige que Psiquê desça às profundezas do conhecimento da natureza humana para encontrar a beleza das grandes provas e do entendimento de que, mesmo nos momentos de maior dificuldade, a Alma cresce e, em todas as circunstâncias, encontra a proteção e a orientação apropriadas ao momento.

Quando Psiquê adormece, Eros vai ao seu encontro e a reanima com um beijo. Depois procura o grande deus Zeus e implora que acalme a sua mãe e confirme o seu casamento com Psiquê, tornando-a imortal. O beijo surge como símbolo de união e adesão mútua, de espírito a espírito. É associado ao beijo de Deus. A boca é o ponto de saída, fonte do sopro e a encarnação entre o verbo e a natureza humana, que está evoluindo. É a concórdia, a submissão, o respeito e o verdadeiro amor.

A Alma para conseguir a fusão com o Amor, precisa vencer muitas etapas.

Nesse processo, o entendimento sobre Eros, o Amor, amadurece e a sua integração com Psiquê, a Alma, acontece amorosamente, alcançando o ápice da evolução espiritual. Dessa fusão, surge o espírito adulto, consciente, cuidador, forte, terno, generoso e portador de uma pureza que não se corrompe e que não se destrói.

É o que imaginamos sobre o ensinamento de Jesus: “Eu e o Pai somos um’.

Não temos a pretensão de esgotar todas as possibilidades do mito e, tampouco, compreender todo o processo de evolução espiritual, mas apontar quanto é grande o esforço para conquistarmos a beleza espiritual pura e fecunda e o difícil caminho de voltarmos ao nosso ponto de origem na condição de filhos responsáveis e capazes de entender as maravilhas da Criação Divina e das Leis de Deus.
É uma volta às origens, como sinaliza a parábola do Filho Pródigo e como assinala Jesus: “EU E O PAI SOMOS UM”.

                                    
Ercilia Zilli - CRP n° 06/13.432-7

Psicóloga Clínica, Mestre pelo Programa de Ciências da Religião – PUC, Pós-graduada em Administração para Organizações do Terceiro Setor pela Fundação Getúlio Vargas, Presidente da ABRAPE – Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas, Membro da Associação Americana de Aconselhamento (ACA, Membro da Associação dos Valores Espirituais, Éticos e Religiosos em Aconselhamento (ASERVIC), Membro da Associação Internacional dos Profissionais de Gerenciamento de Carreira (IACMP) nos EUA, Apresentadora do programa “Novos Rumos” da ABRAPE, na Rede Boa Nova – AM 1450. Autora do Livro “O Espírito em Terapia – Hereditariedade, Destino e Fé”.

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